Resenha 37 segundos - filme

Publicado em sex 31 maio 2024 na categoria Cinema

Resenha do Filme: 37 segundos

Resumo para apressados

Para aqueles com pressa, o filme 37 segundos é o que podemos chamar de "Pure Cinema". A direção e roteiro de Mitsuyo Miyazaki nos levam, com sensibilidade e beleza, a acompanhar a jornada pessoal de Yuma Takada, uma desenhista talentosa de mangá, em sua busca pessoal por descobertas e autonomia. Mesmo fugindo dos clichês, existe um grande risco de você ficar com cisco nos olhos ao longo do filme! Você foi avisada/o!

Resenha com mais de 500 caracteres (sem grandes revelações)

Yuma é uma jovem de 23 anos, excelente criadora e desenhista de mangás, que tem paralisia cerebral, e por conta disso, tem dificuldades motoras e de mobilidade! Vive com sua mãe e trabalha (desenhando mangás) com sua prima.

Na jornada pessoal de Yuma, eu refleti sobre como o modelo biomédico da deficiência - que entende a deficiência como uma questão individual, uma "lesão a ser curada", não dá conta das diversas situações vivenciadas pela personagem, nem, também, o modelo "oposto" - o modelo social da deficiência - que considera a deficiência como uma construção social, uma questão coletiva em que a sociedade é que cria barreiras para aqueles corpos (ou modos de ser e estar no mundo) que não se aproximam dos corpos "normativos" e produtivos de uma sociedade (capitalista).

Embora tecnologias assistivas, como cadeiras de rodas motorizadas, por exemplo, e ambientes acessíveis (como rampas em metrôs e aparelhos sanitários com altura para cadeirantes) possam minimizar as barreiras para que todas e todos possam viver plenamente, muitas outras opressões atingem as pessoas com alguma deficiência! Um modelo biopsicossocial da deficiência, talvez, consiga dar contas das diversas complexidades e barreiras para a vida plena de pessoas com deficiência...

A beleza do filme, no entando, visto do modo como ele me tocou, está na maneira particular como a personagem principal enfrenta o capacitismo (esta categoria estrutural e estruturante na sociedade capitalista)!

No lugar de combater o capacitismo com outras opressões (cancelar para sempre pessoas que tiveram atitudes capacitistas - criar um "nós, os oprimidos, contra os outros, os opressores" ) ela, com seu jeito carismático, oferece a generosidade pedagógica de outra(s) chance(s) - a despeito das várias decepções e angústias que implicam esta opção...

É interessante notar, também, como o roteiro nos apresenta, no filme, as contradições que encontramos também na vida real. Os espaços em que nossa cultura judaico-cristã considerariam mais acolhedores - a família, por exemplo, podem ser os mais opressivos! E os espaços mais "suspeitos" - como a redação de uma revista de mangás de conteúdos pornográficos ou uma zona de prostitução, e mesmo profissionais do sexo - podem ser os mais acolhedores e onde a personagem vai encontrar mais esculta, empatia e cuidados!

É um filme sobre a singularidade de cada experiência! Sobre entender que as pessoas e as situações são sempre mais complexas do que visões binárias: bons x maus; opressores x oprimidos, etc. Que muitos de nós precisamos, também, do nosso tempo individual, de experimentarmos nossas singularidades, mas também que não podemos perder de vista que, viver em sociedade é comprender a interdependência de todas e todos.

É um filme que, para mim, explicita vários dos 10 princípios da Justiça Defiça, como por exemplo, o 5º e o 9º princípio:

"Cada pessoa é cheia de histórias e experiências de vida. Cada pessoa tem uma experiência interior composta por seus próprios pensamentos, sensações, emoções, fantasias sexuais, percepções e peculiaridades. Pessoas com deficiência são pessoas inteiras."

ou

"Podemos compartilhar responsabilidades por nossas necessidades de acesso, podemos pedir que nossas necessidades sejam satisfeitas sem comprometer nossa integridade, podemos equilibrar a autonomia enquanto estamos em comunidade, podemos não ter medo de nossas vulnerabilidades, sabendo que nossos pontos fortes serão respeitados."

Amei as imagens do filme, o constraste entre Japão e Tailândia, e pude compreender porque os banheiros públicos japoneses despertaram tanto fetiche no Win Wenders (a ponto dele fazer o belíssimo: Dias Perfeitos).

Como disse, no início deste texto, 37 segundos é o mais puro "Magnifique Cinema"!

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