Pensando alto sobre os dois meses de isolamento social
Este é um espaço pessoal, logo o que está escrito aqui é a minha opinião pessoal! Não representa a opinião das entidades em que milito nem da instituição que trabalho!
A tristeza de uma sala de aula (ainda organizada como os padres jesuítas propuseram no século XVII) vazia :-(
No dia 16/03/2020 a escola que trabalho suspendeu as aulas presenciais, seguindo orientação das autoridades sanitárias. Se você não chegou agora de Marte já está entediado/irritado/aflito/(coloque aqui seu sentimento atual) de saber que vivemos a maior e mais grave crise sanitária do pós-guerra!
No Brasil, esta crise sanitária é mais dramática porque estamos sem governo! Sem lideranças educacionais e o mais assustador, sem canais de diálogo em todas as instâncias de gestão (Nacional, Estadual, Municipal e local)!
Dentro dos movimentos sindicais ligados aos profissionais de educação, até onde eu consigo enxergar, um neoludismo* radical parece dominar o debate! Em grande parte, por conta do alto nível de incompetência e mau-caratismo que prospera na gestão federal!
Embora seja consenso que o Brasil tem enormes desigualdades sociais, o modo (ou os modos) de como podemos encarar os desafios da impossibilidade de se fazer a educação presencial que existia antes da crise parece se resumir a um "Zero ou Um" igualmente mantenedor de injustiças e desigualdades sociais!
Parágrafo confuso? Explico.
O que estou chamando de "Zero"? É o movimento (até agora) daqueles que rejeitam todas as iniciativas (algumas ruins outra boas, em minha opinião) de se fazer educação remota de emergência com base no argumento de que muitos alunos vivem em situações tão precárias, sem acesso regular a internet, sem as condições mínimas de dignidade, que qualquer iniciativa de educação remota irá aumentar estas injustiças.
O que estou chamando de 'UM"? É o movimento daqueles que acham que as tecnologias de informação e comunicação devem emular o que existia antes da pandemia e, desta forma, acreditam que fazer 4 horas diárias de "vídeo-aulas" com uma "falsa normalidade" é uma solução válida para a nossa enorme crise!
Deixar milhares de jovens 6 meses, 8 meses, ou até 2 anos, sem hábitos de aprendizagem ou vínculos com a escola, não vai, exatamente, diminuir as desigualdades sociais, muito pelo contrário! Quanto mais socialmente vulnerável for este jovem, maiores são as chances de ele não retornar à escola quando a educação presencial voltar a ser possível.
E pelos motivos óbvios que os "neoludistas*" repetem todos os dias para negar qualquer proposta de uso das TIC como solução de emergência, usar apenas recursos da internet vai deixar para trás uma quantidade enorme de jovens brasileiros.
Eu realmente acho que entre o "Zero e o Um" existem infinitas possibilidades! Nenhuma fácil! É por isso que chamamos o que estamos vivendo agora de "CRISE"!
Sim, ninguém deve ter (só uma hipótese) certeza de quais são os caminhos a serem trilhados! Eu só tenho certeza que os dois caminhos acima (não fazer nada ou tentar repetir, online, o que existia antes) não nos levarão a uma situação melhor do que a que já estamos.... e isso, pra mim, já é alguma coisa :-)
Compartilho com vocês, abaixo, minha "tempestade de ideias"!
- Não existe uma solução única para todas as realidades escolares! É óbvio, mas precisamos explicitar!
- Não existe uma solução ideal! O que se pretende é minimizar ao máximo os enormes prejuízos de se ficar muito tempo sem vínculo com a Escola ou com hábitos de aprendizagem!
- As soluções precisarão ser tecnologicamente híbridas: TV, rádio, impressos, telefone, internet, etc.
- As soluções precisarão mobilizar TODA SOCIEDADE: estudantes, responsáveis, profissionais de educação e sociedade civil organizada ( e governos que não atrapalham!).
- O retorno das aulas presenciais será de modo diferente em cada contexto educacional.
- Levaremos em torno de 2 anos (ou mais) para "normalizarmos" os fluxos educacionais em cada sistema de educação.
- A transição para o que se fará durante a crise sanitária e para o retorno da educação presencial deveria ser suave e respeitando as especificidades de cada contexto escolar!
- O que se fizer durante a crise não deve ser tomado como referência para o pós-crise!
- Trabalhar com Educação é, em última análise, trabalhar com pessoas! Então, durante e após a crise, seja generoso/a consigo mesmo/a e com todes!
Como se pode notar, não tenho soluções específicas, porque elas precisam ser construídas coletivamente! Estas ideias são o que eu penso que deva ser o "SUL" de qualquer tentativa de ação em tempos de crise!
* Os luditas fizeram uma boa análise de conjuntura ao diagnosticar que a revolução industrial iria transformar o mundo do trabalho. Mas escolheram uma péssima estratégia para proteger os trabalhadores durante a mudança de paradigma produtivo: Destruir as máquinas iria impedir a mudança do mundo do trabalho! Falharam miseravelmente!
Estou chamando de neoluditas aqueles que querem combater as explorações do trabalho docente, as precarizações e ataques a docência combatendo o uso/inserção das TIC na escola! Não é uma ofensa ou ironia! É uma análise pessoal de conjuntura!